Cresci com o meu pai. A avó e o avô ajudaram e fiquei lá
quase sempre aos fins-de-semana. A minha mãe, sem que eu percebesse o que era
"partir para sempre", partiu de repente... E para sempre. A verdade é que me fez falta desde o
momento que partiu. Era ela que nos mostrava o caminho, que iluminava a casa e
apagava os sítios que não interessavam, fazendo com que não víssemos o que
estava mal.
Quando partiu, deixámos de ter a iluminação da casa e a
escuridão no que não interessava. Ficámos sozinhos, o meu pai refugiou-se no
trabalho, dia após dia, por vezes até à noite e eu habituei-me a ter, desde
pequenino, de acordar sozinho, fazer o meu pequeno-almoço e ir para a escola.
Precisava de atenção e mimo, mas o meu pai passou a silenciar as emoções, ou se
calhar nunca lhes deu voz, só que a minha mãe tirava a luz desse facto, para
que eu não notasse. O meu pai dizia-me que tinha de cumprir, mas nunca ninguém me ensinou a
fazê-lo. Eu não aprendi a chorar, até porque não tinha quem me limpasse as
lágrimas, por isso substitui as lágrimas por desafio, oposição, desinteresse e
perturbação nas aulas, para que não me abandonassem e assim o meu pai não
parasse de olhar para mim. Fui aumentando em altura e também em comportamentos
maus e negativas. Diziam que tinha de tomar medicação para ter atenção e
estudar, mas na verdade, eu não percebia para quê, não tinha jeito nenhum para
aquilo, não fazia ideia do que era suposto fazer e provavelmente não ia saber
fazer. Com estas ideias, fui crescendo, e hoje percebo que faltava dentro de
mim a crença de que era capaz, de que eu valia a pena e de que estava à altura.
Afinal, o meu pai nunca lá estava para ver que eu estava à altura, por isso era
mesmo melhor não estar para que ele pelo menos assim fosse estando. Hoje sei
que ele não conseguia fazer de outra forma, mas tinha tanta vontade que ele
estivesse lá mais vezes, que olhasse para mim e se orgulhasse e visse como eu
jogo bem. Mas ele nunca queria e dizia sempre que estava chateado porque eu não
fazia nada na escola. Se ele soubesse como eu era bom a jogar, talvez se
espantasse.
Um dia, com umas ajudas, fui mudando e parece que dentro de
mim, passei a ter alguma coisa que valia mais, que me convencia que era
importante sair-me bem no que fazia, ser bom aluno, conseguir cumprir o que me
propunham e passei a ser o melhor aluno do curso. Ouvi o meu pai pela primeira
vez a dizer que ficou orgulhoso numa reunião de pais e senti-me corar e
desconversar. Dentro de mim o coração bateu como eu nunca tinha sentido e é
como se tivesse aumentado o tamanho do meu peito, como se estivesse cheio, quase
como quando ganho a jogar na minha consola. Acho que no fundo o que precisei
foi que alguém me dissesse que eu valeria a pena, o que precisei foi que, mesmo
não sabendo falar dessas coisas, ficando esquisito, ouvir que era capaz, que
era o miúdo que conseguia fazer os trabalhos que me propunham, colaborar nas
aulas, ter alguém que me tratasse como se acreditasse que eu era capaz. Mais do que eu. Depois,
acho que devagarinho, comecei eu a acreditar mais. Aprendi nas consultas, nas
conversas que pareciam desinteressantes entre a psicóloga e o meu pai que isso
se chama auto-estima... Ou lá o que é... Mas ao que parece agora já a
tenho. Só sei que é bem melhor assim.
Promover a auto-estima é trabalho de todos os dias, de forma
espontânea, programada, pensada ou automática. É importante é que seja feito
com a sua ajuda e ainda mais quando se trata de miúdos na fase da adolescência.
De todas as maneiras, de forma criativa, com experiências diversas ou
simplesmente com um piscar de olho, não esquecendo a imagem mas fortalecendo a
auto-estima muito para além da embalagem. É preciso ir lá dentro e construir um
valor próprio, de fora para dentro, até ficar num circuito de retroalimentação
que funcionará por si próprio.
Rita Castanheira Alves
Boa tarde Rita,
ResponderEliminarTambém sou psicóloga (clínica) e trabalho maioritariamente com a adolescência, tenho feito várias ações e workshops para pais de adolescentes e encontrei este seu artigo que gostaria de partilhar no meu blog educarnaadolescencia.com, pelo que venho pedir autorização para tal. deixo aqui links para a pag de facebook do blog e minha. Obrigada Diana Seabra
https://www.facebook.com/Educar-na-Adolesc%C3%AAncia-199042683779018/
https://www.facebook.com/Diana-Seabra-Psicologia-Cl%C3%ADnica-598330390261004/
www.arbitrium.pt
Olá Diana,agradeço a sua mensagem e interesse na partilha do meu artigo. Terei todo o gosto em que o partilhe. Parabéns pelo seu blogue, estive a ler algumas das suas publicações, é sempre bom encontrarmos colegas com trabalho na área da adolescência. Irei acompanhar.
EliminarDeixo-lhe também o link para a página do meu projecto, onde poderá ir acompanhando as minhas publicações e eventos: https://www.facebook.com/Psic%C3%B3loga-dos-Mi%C3%BAdos-501952713274920/
Um abraço e votos de bom trabalho,
Rita Castanheira Alves