quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Porque os pais são artistas, educadores, técnicos de motricidade e animadores...

A criação é de uma mãe, uma mãe que conheço há tanto tempo, quase como me conheço a mim. Com quem criei, inventei, sonhei, aprendi e cresci. Quem sabe, se um bocadinho da Psicóloga dos Miúdos não veio desta mãe, até antes de ser mãe. Estou certa de que sim.
Hoje tem 31 anos e é mãe de dois rapazes, quase, quase com 3 anos. Os dois sim, porque são gémeos.
Há uns dias fui lá a casa, como amiga, não como psicóloga dos miúdos. Fui lá conversar com a mãe, como amiga, e brincar com os miúdos como amiga também, que é tão bom.
E descobri que tinham feito... Fantoches! Fantoches de pés e de mãos! Os gémeos com a mãe. Folhas de papel, canetas, palhinhas e fita-cola. Tão simples, mas tão rico. Uma actividade inventada por uma mãe, que ocupou uma manhã e que fez sorrir os miúdos e ajudou-os a desenvolver a imaginação, a criatividade, a motricidade e o carinho de manos e mãe. E muito mais coisas, certamente.

Como amiga, adorei e não esperava o contrário desta mãe. Como Psicóloga, admirei e quis partilhar. Afinal, os pais podem mesmo ser os verdadeiros artistas, educadores, técnicos de motricidade, animadores. E só com palhinhas, folhas e canetas.

Que tal experimentar aí em casa? Fico à espera de partilhas de actividades simples, mas tão grandes e completas.

Rita Castanheira Alves


domingo, 19 de outubro de 2014

Como se fala da morte de um(a) pai/mãe com uma criança? Perguntas e respostas de ajuda num tema tão difícil



      Um tema difícil. E que sabemos, será sempre difícil. Mesmo quando crescemos, continua a ser difícil.
      Não queremos nunca que aconteça... E quando acontece? Quando se é pequeno e o pai ou a mãe morre? Como se fala sobre isto? Fala-se? O que se faz?

     A Revista Sábado pediu a minha colaboração enquanto Psicóloga (dos Miúdos), para responder a algumas perguntas e a semana passada, o artigo foi publicado. Há sempre limitação de caracteres, participações de outros profissionais e testemunhos, pelo que a maioria do conteúdo das respostas que elaborei, não foi publicado.  

     Não queremos pensar muitas vezes neste tema, nem queremos ter que saber o que fazer, mas sei que, infelizmente, pode ser útil para algumas famílias. 

    - Quando uma criança perde um pai ou mãe deve-se esconder até estarem preparados para dar notícia?

A vivência da morte de alguém que nos é próximo e querido é sempre dolorosa e difícil, independentemente da idade. Especialmente se for do pai/mãe presentes.
Como tal, os adultos também estão num momento emocional muito difícil e de grande sofrimento e também eles precisam de encontrar um momento para se sentirem o mais preparados e estáveis possível para conseguirem apoiar e securizar a criança e apoiarem-na no seu luto. Deste modo e sendo também difícil para os adultos, a notícia de uma morte não deve ser adiada por tempo indefinido, mas o adulto poderá necessitar de algum tempo e algumas condições para se sentir o mais possível capaz de apoiar e transmitir a notícia à criança e falar sobre o assunto. No entanto, não podemos esquecer que as crianças, apesar de serem pequenas, são excelentes observadoras e conseguem sentir quando há mudanças e alterações, especialmente nos que lhe são mais próximos, como poderá ser pai/mãe. No caso da criança questionar, a resposta deve ser dada.

Existe uma altura certa para se dizer a noticia?

A notícia de uma morte de um pai/mãe é sempre difícil, seja qual for a altura e não existe, na verdade, uma altura ideal.
 Mais uma vez, sempre que há oportunidade, o adulto deve ponderar algumas condições para conseguir abordar o assunto com a crianca:
- o contexto em que o vai fazer que deve ser o mais tranquilo e familiar possível, proporcionando a possibilidade da criança se exprimir como sentir necessidade e se sentir o mais segura possível;
- o momento do dia, escolhendo sempre que possível que a notícia seja dada num momento em que depois se possa estar com a criança e apaziguá-la, acarinhá-la e ouvi-la se necessário; 
- ter pessoas, se necessário, que possam apoiar, familiares, uma professor ou professor de confiança que possam ir ajudando a criança durante o seu luto, criando uma rede de suporte, no entanto, respeitando a privacidade da criança;
- ter atenção a quem dá a notícia, nem sempre é o outro progenitor a figura mais securizante para a criança.

Quem deve dizer? O pai sobrevivente, um avó? Ou qualquer pessoa?

Sempre que possível não deverá ser uma pessoa ao acaso a dar a notícia. Uma pessoa que seja securizante e de confianca na vida da criança; o progenitor sobrevivente se houver uma relação sólida e muito consistente com a criança. O importante é que seja uma pessoa de referência para a criança, com quem a criança se sinta normalmente (antes deste acontecimento) acompanhada, segura no dia-a-dia e que a possa acalmar e acompanhar.

De que forma se deve dizer? Qual é a mensagem principal?

É frequente que a crianca já se possa ter deparado com o assunto da morte, seja através de uma história de desenhos animados, a história de um livro ou até de uma planta ou de um peixe de estimação. Não há uma forma única, uma frase mágica, muito menos quando se fala de um pai/mãe próximo(a) e presente.
É essencial:
- Adaptar sempre à idade e características da criança;
- Tratar “as coisas pelo nome”: não é fácil para os adultos chamar morte à morte, especialmente quando falamos com uma criança. No entanto, é importante usar a palavra. Por exemplo, usando o ciclo da vida para a explicação, sendo a morte como uma das fases na vida de qualquer ser vivo;
- Tentar nao ficcionar em demasia ou usar expressões como foi viajar para muito longe, dormiu e nunca mais acordou devem ser evitadas para não levar ao desenvolvimento de medos e preocupações com os seus próprios comportamentos e funcionamento normal do dia-a-dia. A morte é sempre difícil de entender, mas fará de alguma forma parte da vida da criança, seja directa ou indirectamente. Acima de tudo, sem ficcionar, sempre com muita  atenção em adaptar a explicação à idade, mas dando-lhe uma resposta tão concreta quanto possível, que não dê espaço para confabular, fantasiar e poder ganhar medos de ter certos pensamentos ou certos comportamentos inventados pela própria criança. Esclarecer que a morte não é nunca consequência do que a criança faz ou pensa;
- Responder às questões da criança, sempre. Mesmo que a resposta possa ser um sincero “Não sei”. Na verdade, dependendo das crenças de cada um, há certezas sobre a morte que nem os adultos têm e isso pode ser partilhado com a criança, ajudando-a a gerir a incerteza, a falta de algumas respostas, a possível sensação de injustiça, partilhando também que se sente o mesmo e que é mesmo injusto;
- Transmitir a notícia e dizê-lo devagarinho para que a criança possa ir expressando o modo como está a receber a notícia e isso ajudar o adulto a ir adaptando a mensagem, de acordo com a reacção da criança;
- Em qualquer situação e acima de tudo, ir expressando o facto de ser normal ficar triste, de ser muito difícil, para legitimar sentimentos e assim facilitar o luto.

Existe formas diferentes, consoante a idade? Quais? Até aos 3 anos? Dos 3 aos 7? Dos 7 aos 10? Das 10 aos 15?

Como em qualquer assunto ou área, tambem abordar a morte deve ser adequada nao só à idade como às características da crianca. Como tal e porque apesar da idade nos dar algumas noções gerais, cada criança é diferente, mesmo podendo ter a mesma idade. É importante acima de tudo conhecer bem a criança. E ter presente que receber essa notícia é sempre muito, muito difícil.
Antes dos 2 anos é dificil a crianca entender o conceito de morte, ou seja, perceber que é para sempre, mesmo que se explique. É possível que a criança pergunte (no caso de já dominar a linguagem verbal) frequentemente ou procure pelo progenitor falecido e que apresente algumas alterações no sono e na alimentação e instabilidade, especialmente no caso de existência prévia de uma vinculação segura. É importante ir dando-lhe a maior estabilidade possível, acarinhando-a e dando-lhe a vinculação que necessita.
 A partir dos 2 até aos 5/6, a criança ao ter maior noção de separação e perda do outro, ficará instável emocionalmente, pode frequentemente apresentar comportamentos regressivos ou instáveis e terá dificuldade em perceber o que aconteceu, no entanto, deve-se referir o que aconteceu e falar sobre isso, especialmente sendo um pai/mãe.
A partir dos 5/6 anos, a noção de morte torna-se muito mais clara e real, inclusivamente por volta dos 5, 6 anos pode surgir o medo de morrer ou de que alguém próximo morra. Usar vocabulário como “morte/morreu”, “ficou muito doente e morreu”, “terminou o ciclo da vida” pode ajudar. Explicar as causas pode ajudar a partir dos 6/7 anos, mas é muito importante ter cuidado com a maturidade emocional da criança e evitar explicações demasiado pormenorizadas, que possam impressionar em demasia.  A criança pode não estar preparada para saber logo tudo de uma vez.
No entanto, quando a criança pergunta o que se passou, porquê e porque morreu, é importante responder, ainda que se possa simplificar a explicação (por exemplo, se foi uma doença é importante adaptar a explicação científica à idade, para que perceba). Especialmente, quando falamos de idades mais avançadas, como os 10 anos ou claro, na adolescência. Na adolescência, é importante uma partilha clara, sem esconder e sem fantasiar, sempre focado na ajuda do jovem a expressar emoções e ajudando-o a não se culpabilizar.
Uma dica que pode ajudar é estar atento às perguntas da criança, se pergunta, em princípio está preparada para receber a resposta, ainda que com cuidado e gradualmente, indo analisando a reacção enquanto se fala e legitimar sempre as emoções e a dificuldade em compreender a morte, podendo partilhar esse sentimento com a criança/adolescente.

- Devem ir ao funeral?
Não há uma regra, mais uma vez. No entanto, crianças muito pequenas que não entendem o conceito de morte, não fará sentido participarem do ritual, uma vez que o mesmo não contribuirá para o seu luto.
A partir de certas idades ou fases, em que já se compreende o conceito de morte/perda e especialmente em que já se falou sobre a noção de funeral, se a crianca mostrar vontade pode ser importante nao lhe vedar essa vontade, no entanto, avaliando se a criança terá mais benefiícios em termos de luto indo, ou ficando.
No caso dos adolescentes, é sempre importante avaliar cada caso e características do adolescente, no entanto, na maioria dos casos e tratando-se de alguém tão próximo como é um pai/mãe (se assim for), pode ser importante.
Em alguns casos, permitir que escolha, explicando primeiro do que se trata, que só terá de ir se quiser e por si mesmo, e a partir daí deixá-la escolher, dando-lhe a conhecer a hipótese de onde ficará (deverá ser alguém da confiança da criança), se não for e aceitando genuinamente qualquer das hipóteses, evitando acima de tudo que sinta que por ser filha tem que ir ou que a mãe/pai falecido iria ficar triste ou aborrecido. A ida ao velório e funeral deverá ser sempre monitorizada para que a criança consiga entender certas reacções mais efusivas a que possa assistir e dando-lhe sempre espaço para que se possam ir embora.

Os pais devem chorar à frente da criança?

Sim, devem, como ao longo da vida devem mostrar as emoções, sejam elas positivas ou negativas. É um trabalho desde que a criança nasce, porque se assim for, nestas situações, a expressão será mais fácil, apesar de nunca ser fácil e ajudará a criança a vivenciar o seu luto. Ajudar a crianca a perceber como é normal sentir o que se sente e a expressar adequadamente o que sente, sem mascarar a tristeza com zanga, que é tão frequente por exemplo no caso dos jovens. No caso de um adulto que está muito desorganizado emocionalmene com a morte, é importante evitar choros demasiado desesperados ou sem parar que podem destabilizar completamente a criança e fazê-la sentir-se responsável por ser ela a fazer o papel de adulto. Chorar com a criança pode ajudar a fomentar a noção de união  e de que podem sofrer juntos e apoiarem-se.

O que responder ao “porquê morreram”?

Mais uma vez, depende das características e idade da criança. Em idades muito precoces mas que já entendem a noção de morte, daí perguntarem, atenção a explicações demasiado pormenorizadas que a criança pode não ter maturidade emocional para recebê-las.
Nem sempre se consegue responder, mais uma vez recorrer a explicações sinceras, ainda que ajustadas à criança é o mais adequado, expressando também a dificuldade em entender a injustiça da morte.

- Deve-se criar uma história de continuidade? Do céu? Ou das estrelas?

Conheço situações em que pais fizeram isso e resultou e outras não. Acima de tudo, se a opção é criar histórias de continuidade é preciso ter cuidado com a forma como as crianças as entendem e generalizam em certas idades, para não desenvolverem medos ou preocupações excessivas.
A continuidade é no fundo transmitir que poderá sempre lembrar-se da mãe/pai e das coisas boas que faziam juntos, é permitir que haja recordações em casa do elemento que faleceu, é não ignorar que isso aconteceu, é recordar. Talvez colocar uma fotografia ou ter um album disponível possa ser mais adequado para ajudar a criança.

O luto das crianças é mais difícil? Qual é a faixa etária que reage pior? Porquê?

Não há uma faixa etária que reaja pior. Na verdade, a morte de um pai/mãe próximo e presente é um acontecimento de vida brutal e avassalador, em toda a infância e adolescência. Há certas crianças que poderão reagir pior porque estão numa fase mais activa no desenvolvimento em termos de ansiedade de separação, porque já estão por outros motivos anteriores à morte, instáveis emocionalmente, porque não existe um bom suporte familiar/social, porque a vivência do luto não foi feita de forma adequada.
Tal como em qualquer acontecimento de crise de vida, quanto mais equilíbrio familiar e social já existir e maiores competências socioemocionais existirem antes da morte, melhor a capacidade de vivência de luto.

Rita Castanheira Alves

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Para LER COM os miúdos, a Psicóloga dos Miúdos sugere...




Porquê?

Porque diverte crianças, adolescentes e adultos e é um livro simples, fácil, mas cheio de potencialidades...

Que capacidades ajuda a desenvolver? 


Curiosidade, capacidade de esperar, controlo da impulsividade, gestão emocional, capacidade de duvidar daquilo que pensamos, aprender a lidar com o que nos assusta e com o desconhecido.

Como poderei explorar o livro com o meu filho?

- Estimulando a curiosidade, envolvendo-o na vontade de querer saber quem é afinal o Cuquedo;

- Treinando a capacidade de esperar, ajudando-o a controlar as emoções, reflectindo o que ele estará a sentir e reforçando-o por conseguir esperar pelo final do livro;

- Contando os animais;

- Conhecendo os diferentes animais;

- Fazendo um desenho sobre o Cuquedo;

- Explorando porque acreditavam que o Cuquedo era assustador e como às vezes pensamos isso em relação a tanta coisa que afinal não é;

- No final, reflectindo como é importante vermos para nos certificarmos, ajudando-o a conhecer as primeiras noções de "boato";

- Proporcionando uma leitura emotiva, introduzindo expressões de curiosidade, espanto, expectativa;

- Questionar e ajudar o seu filho a expressar que medos tem e encontrarem juntos formas de lidar com eles;

- Rir. Rir muito!


Fico curiosa como foi a leitura deste livro com os miúdos aí em casa! Fico à espera das partilhas!
Afinal ler, é muito mais do que ler... Acima de tudo é crescer!



quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O meu filho brinca com bonecas! Será normal?


Chegámos da escola, já eram seis da tarde faltavam os banhos e o jantar, mas o Miguel tinha tanta vontade de brincar, que resolvi adiantar o jantar e disse-lhe que podia ir brincar um bocadinho.
A irmã foi com o pai à Natação, o Miguel este ano optou só pelo Taewkondo e nós concordámos. Por isso, à Terça-feira o Miguel vem comigo para casa e a irmã vai nadar com o pai.
Fui para a cozinha e o Miguel foi para o quarto. Distraí-me com o jantar e passado algum tempo, não sei precisar, mas passou meia hora, quarenta minutos e não ouvia o Miguel a fazer os seus “bum, beeehhhh...”, só silêncio. Fui espreitar. Devagarinho, percorri o corredor e vi que a porta do quarto dele, que partilha com a irmã, estava encostada. Estranhei e fiquei até um bocadinho preocupada: “Que estará ele a preparar desta vez?”, pensei.  Lembrei-me daquela vez em que queria voar: construiu umas asas e em cima do banco estava pronto para se atirar, ou da outra vez que queria construir umas escadas de lego e subi-las. Encostei-me à porta e abri-a ligeiramente, de modo a conseguir espreitar. Lá estava o Miguel, a embalar a Francisca, a boneca que a irmã brinca como se de um bebé se tratasse. E o Miguel embalava a Francisca, enrolada numa mantinha, fazia-lhe festinhas na testa e cantava uma canção de embalar, muito baixinho. Vi que à volta estava montada a cadeirinha das refeições da boneca Francisca e o carrinho de passear mesmo ao lado. Foi nesse dia que percebi que o Miguel brincava com bonecas!
A primeira sensação foi estranha, um misto de espanto com preocupação. “Será normal? Porque será que brinca com bonecas? É suposto os meninos brincarem com bonecas?”
Depois, numa mistura de espanto e até vergonha, resolvi sair dali e não lhe dizer nada. O Miguel ficou a brincar e eu sentei-   -me na sala, pensativa. Queria partilhar com alguém... Mas... E se não fosse suposto? E se mais nenhum menino brincasse com...bonecas? E se contasse à educadora e não fosse suposto? Uma catástrofe instalou-se de repente. Chegou a irmã e o pai do Miguel. A irmã correu para o quarto e o pai veio ter comigo, deu-me um beijo e abraçou-me como habitualmente.
- Que se passa? - perguntou de imediato. - O que aconteceu? Contei-lhe, sem conseguir disfarçar a surpresa e espanto mas em simultâneo numa tentativa de ver alguma normalidade na situação. O pai do Miguel riu-se. Riu-se da situação e disse-me: - É normal. Claro que é. Eu brinquei com as bonecas da minha irmã e das minhas primas, ainda por cima era o único rapaz. Como o Miguel, também o pai partilhava quarto com a minha irmã e no Verão, juntava-se a família toda, e era o único primo. Só meninas que brincavam quase sempre com bonecas e às cozinhas.
- A sério? - perguntei, admirada. E o pai do Miguel acenou afirmativamente, com o sorriso sempre tranquilo e ainda acrescentou: E também havia carros e construções e especialmente a minha prima Manuela, gostava muito de brincar com as construções e às corridas. E assim, lá em casa, partilhavam-se brinquedos.
- E na escola? - perguntei eu curiosa.
- Na escola, lembro-me de perceber que não era assim e que os meus colegas não iam perceber, mas às vezes quando iam lá a casa e como os brinquedos estavam todos juntos, um ou outro brincava às cozinhas, como se tendo os brinquedos todos no mesmo quarto, trouxesse maior tranquilidade e menos vergonha a brincar com aquilo que se dizia ser de “menina”.
Aquela conversa fez-me pensar. Afinal a minha primeira reacção foi de algum embaraço e preocupação, mas realmente qual era o problema? O Miguel era um miúdo engraçado, bem adaptado, com facilidade em fazer amigos, com um mundo imaginário engraçado e uma curiosidade que lhe dava a possibilidade de aprender muita coisa.
Resolvi ler um bocadinho sobre o tema, os prós, os contras, se os há, porque se define brinquedos para meninas e para meninos. E de facto, percebi que sem saber, pus à disposição dos meus filhos a possibilidade de escolha, a liberdade de optarem e de preencherem o seu mundo imaginário e de criatividade, com diferentes possibilidades.
Percebi que há de facto diferenças no tempo de desenvolvimento de algumas áreas do cérebro entre géneros, que podem ter alguma influência no gosto por brinquedos: as meninas tendem a desenvolver primeiro as áreas ligadas à linguagem e aos afectos, pelo que apresentam maior facilidade com relações sociais e têm um maior gosto por expressões faciais dos bonecos. Os meninos parecem ter desenvolvidas mais precocemente, as áreas do lado direito do cérebro, ligadas às questões visuais, por isso, utilizam o brinquedo como ferramenta, para montar, empilhar, organizar e usar conceitos lógicos.
No entanto, esta influência biológica não é a única responsável pela possível escolha de brinquedos. A história, a cultura levou a esta grande diferença entre brinquedos para meninos e para meninas. Actualmente, tanto eu como o pai do Miguel trabalhamos, dividimos tarefas, tratamos dos nossos filhos. Antigamente, o papel de cuidadora era essencialmente da mulher, o homem trabalhava e a mulher ficava em casa a tratar dos filhos e das tarefas domésticas. Hoje sabemos que em grande parte das famílias, com as mudanças na sociedade, a alteração do papel da mulher, algumas mudanças económicas e sociais, não é assim. Como tal, experimentar o jogo simbólico de cuidar de um “bebé”, prestar cuidados, alimentá-lo, ou por exemplo, cozinhar, são tarefas de desenvolvimento importantes independentemente do género. Acima de tudo isto, experimentar diferentes papéis, vestir personagens diferentes, ter acesso a diferentes brincadeiras, possibilita o desenvolvimento da imaginação, as competências sociais e a construção da identidade.

Foi assim, com a ajuda do pai do Miguel, com algumas leituras e o questionar dos meus próprios pensamentos e sentimentos, que percebi a importância de possibilitar aos meus dois filhos a escolha das brincadeiras e dos brinquedos (vá, os que conseguimos dar e sempre com conta, peso e medida), tentando condicioná-los o menos possível. Acima de tudo consegui perceber tudo isto, com a ajuda do Miguel, o meu filho, que felizmente na sua casa se sente bem e confortável para construir o seu mundo imaginário, onde somos quem queremos ser, para um dia sermos o que é possível e nos faz sentir bem.

Rita Castanheira Alves