Um dia, eles crescem e devem ir embora, mas nós ficamos só
connosco... novamente.
Eu sou a Sofia. Fui mãe aos 33 anos e há
muito que desejava sê-lo. Foi a melhor experiência da minha vida. Tão boa, que
quis aproveitá-la ao máximo, talvez um máximo exagerado, penso hoje.
A Lara, a minha filha, nasceu e precisava
muito de mim. Era uma criança difícil. Hoje, vejo que era como todas as outras.
As birras normais, cólicas, difícil adaptação ao sono, nada de especial, sempre
foi saudável. Para mim, novata na experiência da maternidade, ela precisava
mais do que os outros e eu queria dar-lhe tudo o que ela precisava. Na altura,
tinha um trabalho de que gostava, mas, com o nascimento da Lara, fiquei em casa
e parece que o trabalho já não interessava. Quando começou a falar, a Lara
dizia-me para eu não ir trabalhar, que era mais divertido ficarmos juntas e, de
facto, notava que ela precisava de mim, do meu tempo, da minha dedicação. O
tempo que sobrava ao final do dia não chegava, nem os fins-de-semana, mesmo
dedicando-me exclusivamente à Lara. O Rafael, o pai da Lara, dizia-me que
achava um exagero e que também queria ter um tempo comigo. Eu compreendia, mas
dizia-lhe que depois teríamos tempo, quando a Lara crescesse mais um bocadinho.
Resolvemos, então, que a Lara seria mais
equilibrada e completa se eu deixasse o trabalho e a acompanhasse todo o dia,
nas suas tarefas e actividades. Ela ficava tão feliz e eu também. Não
precisávamos de mais ninguém e, na verdade, ela era uma menina muito especial,
sabia exactamente o que queria, sabia escolher e não gostava de toda a gente.
Eu também não a obrigava a gostar ou a interagir com quem não gostava e, a bem
dizer, nessa altura deixei de ter tempo para alguns amigos. Ser mãe era
intenso, exigente e uma fase que passaria em breve. Aproveitava ao máximo para estar
com a Lara e dava-me muito gozo falar sobre ela ao telefone com alguns
familiares e amigos, contar-lhes as evoluções da minha filha, as conversas
engraçadas que temos e como é uma menina inteligente e feliz. Parece que nem me
apetecia ouvi-los falar de outras coisas.
O crescimento da Lara foi muito
acompanhado por mim. Como tinha sempre tempo, raramente recorria aos avós para
ficarem com ela ou irem buscá-la. Evitava também que ficasse a pernoitar com
eles. Lembro-me de o fazermos uma vez, porque o Rafael insistiu muito, e os
dois só falámos dela, telefonámos várias vezes à noite e no dia seguinte fomos
buscá-la mais cedo do que o previsto.
Hoje, pensando bem, acho que fui só eu que
falei muito sobre a Lara e que telefonei nessa noite. O Rafael queria estar
comigo. Talvez sentisse falta do tempo em que éramos só os dois. Mas ele tinha
de compreender: o amor de mãe é diferente de tudo.
Ele tinha uma boa relação com a Lara, mas
havia momentos em que lhe dizia para brincar sozinha e pedia que nos deixasse
ver um filme. Aquilo irritava-me. Podíamos ver um filme os três. O Rafael dizia
que estava farto de ver desenhos animados. Não percebia que era importante para
a Lara ser incluída e que rapidamente ela cresceria.
A Lara foi crescendo, foi sempre uma aluna
exemplar, sempre lhe dei muito apoio, atenção e isso fez com que crescesse
aplicada, organizada e estável. Quando estava na escola, dedicava-me a
preparar-lhe uma surpresa ou a organizar-lhe exercícios para trabalharmos. Aos
fins-de-semana fazíamos actividades em família, dedicadas à Lara, que a estimulavam
muito.
A Lara tinha poucas influências, mas isso
parecia-me bem na altura. Não havia demasiadas influências que não podia
controlar e também não me tiravam tempo com ela.
A Lara cresceu, como eu previa, demasiado
rápido, tornou-se adolescente e começou a querer sair com os amigos. Depois das aulas, queria vir sozinha para
casa ou ficar em casa de uma amiga. Fazia-me tanta falta. Sempre que me pedia,
eu tinha tanta vontade de lhe dizer para vir para casa, para irmos as duas às
compras ou ao cinema, mas controlava-me. Ficava triste e a sentir-me sozinha, à
espera que ela chegasse.
A relação com o Rafael estava diferente… Acho
que é normal, fomos pais, mudou muita coisa e não poderíamos continuar iguais.
Ele habituou-se a estar mais sozinho ou a estarmos sempre os três e, agora, que
a Lara não estava, era estranho estarmos só os dois.
Eu deixei para trás o meu trabalho, os
objectivos profissionais que tinha antes de ser mãe e não construi uma carreira;
nunca cheguei a concluir o curso que tinha iniciado meses antes de engravidar.
Deixei-me ir pela carreira de mãe a tempo inteiro. Na altura, soube-me muito
bem e a Lara precisou, foi importante para ela.
Os meus olhos só se dirigiam para a Lara.
Ela precisava de muita atenção e dedicação e dava-me um gozo tremendo olhar
para a minha filha e vê-la crescer. Deixei de olhar para o espelho, para mim,
para o meu cabelo, para as roupas e acessórios que antes me costumavam
envaidecer e fazer-me sentir mais especial em certas ocasiões. Quando me tornei
mãe, era como se a Lara fosse aquilo que mais me envaidecia e me fazia brilhar,
uma filha tão especial. Engordei, deixei o ginásio e de fazer as corridas
matinais habituais. Levava a Lara ao ballet
e à natação, pelo que não sobrava tempo para o meu desporto.
Quando a Lara saía com os amigos, eu
lembrava-me dos meus antigos amigos. Aqueles que, depois da maternidade, deixei
de ver com regularidade e que antes eram amigos de copos e risadas. A Lara era
pequena, não podia deitar-se tarde e, na altura, muitos deles ainda não eram
pais, tinham hábitos muito diferentes e os miúdos absorvem tudo, pensava eu.
Hoje, a Lara é adulta, alugou uma casa e
vive com amigos. Tem um namorado, trabalha como enfermeira, é feliz, saudável e
alegre.
Hoje acordei e pensei: «E eu? Quem sou
eu?»
Continuo a ser mãe, mas já não sou mãe a
tempo inteiro. Isso deu espaço para pensar no resto que foi indo com o tempo em
que era mãe a tempo inteiro. Deu espaço para mostrar o que fui adiando ou
eliminando, pelo encanto e dedicação exclusiva ao desafio da maternidade. Hoje,
acho que me esqueci de mim. Hoje, a Lara diz-me para eu me arranjar, pensar
mais em mim e investir em coisas que me interessem. Não sei como se faz, tenho
receio, acho que já é tarde, já não me conheço, nem conheço quase ninguém, nem
mesmo o Rafael.
Hoje, penso que, se voltasse atrás,
agarrava da mesma forma especial o desafio de ser mãe, com orgulho, dedicação e
empenho, mas não largava tudo o resto.
Não deixava de ser pessoa.
Rita Castanheira Alves