Um tema difícil. E que sabemos, será sempre difícil. Mesmo quando crescemos, continua a ser difícil.
Não queremos nunca que aconteça... E quando acontece? Quando se é pequeno e o pai ou a mãe morre? Como se fala sobre isto? Fala-se? O que se faz?
A Revista Sábado pediu a minha colaboração enquanto Psicóloga (dos Miúdos), para responder a algumas perguntas e a semana passada, o artigo foi publicado. Há sempre limitação de caracteres, participações de outros profissionais e testemunhos, pelo que a maioria do conteúdo das respostas que elaborei, não foi publicado.
Não queremos pensar muitas vezes neste tema, nem queremos ter que saber o que fazer, mas sei que, infelizmente, pode ser útil para algumas famílias.
- Quando
uma criança perde um pai ou mãe deve-se esconder até estarem preparados para
dar notícia?
A vivência da morte de alguém que nos é próximo e querido é
sempre dolorosa e difícil, independentemente da idade. Especialmente se for do
pai/mãe presentes.
Como tal, os adultos também estão num momento emocional muito
difícil e de grande sofrimento e também eles precisam de encontrar um momento
para se sentirem o mais preparados e estáveis possível para conseguirem apoiar
e securizar a criança e apoiarem-na no seu luto. Deste modo e sendo também
difícil para os adultos, a notícia de uma morte não deve ser adiada por tempo
indefinido, mas o adulto poderá necessitar de algum tempo e algumas condições
para se sentir o mais possível capaz de apoiar e transmitir a notícia à criança
e falar sobre o assunto. No entanto, não podemos esquecer que as crianças, apesar
de serem pequenas, são excelentes observadoras e conseguem sentir quando há
mudanças e alterações, especialmente nos que lhe são mais próximos, como poderá
ser pai/mãe. No caso da criança questionar, a resposta deve ser dada.
- Existe
uma altura certa para se dizer a noticia?
A notícia de uma morte de um pai/mãe é sempre difícil, seja qual
for a altura e não existe, na verdade, uma altura ideal.
Mais uma vez, sempre que
há oportunidade, o adulto deve ponderar algumas condições para conseguir
abordar o assunto com a crianca:
- o contexto em que o
vai fazer que deve ser o mais tranquilo e familiar possível, proporcionando a
possibilidade da criança se exprimir como sentir necessidade e se sentir o mais
segura possível;
- o momento do dia, escolhendo
sempre que possível que a notícia seja dada num momento em que depois se possa
estar com a criança e apaziguá-la, acarinhá-la e ouvi-la se necessário;
- ter pessoas, se
necessário, que possam apoiar,
familiares, uma professor ou professor de confiança que possam ir ajudando a
criança durante o seu luto, criando uma rede de suporte, no entanto,
respeitando a privacidade da criança;
- ter atenção a quem
dá a notícia, nem sempre é o outro progenitor a
figura mais securizante para a criança.
- Quem
deve dizer? O pai sobrevivente, um avó? Ou qualquer pessoa?
Sempre que possível não deverá ser uma pessoa ao acaso a dar a
notícia. Uma pessoa que seja securizante e de confianca na vida da criança; o
progenitor sobrevivente se houver uma relação sólida e muito consistente com a
criança. O importante é que seja uma pessoa de referência para a criança, com
quem a criança se sinta normalmente (antes deste acontecimento) acompanhada,
segura no dia-a-dia e que a possa acalmar e acompanhar.
- De
que forma se deve dizer? Qual é a mensagem principal?
É frequente que a crianca já se possa ter deparado com o assunto
da morte, seja através de uma história de desenhos animados, a história de um
livro ou até de uma planta ou de um peixe de estimação. Não há uma forma única,
uma frase mágica, muito menos quando se fala de um pai/mãe próximo(a) e
presente.
É essencial:
- Adaptar sempre à idade e características
da criança;
- Tratar “as coisas pelo nome”: não é
fácil para os adultos chamar morte à morte, especialmente quando falamos com
uma criança. No entanto, é importante usar a palavra. Por exemplo, usando o
ciclo da vida para a explicação, sendo a morte como uma das fases na vida de
qualquer ser vivo;
- Tentar nao ficcionar em demasia ou
usar expressões como foi viajar para muito longe, dormiu e nunca mais acordou
devem ser evitadas para não levar ao desenvolvimento de medos e preocupações
com os seus próprios comportamentos e funcionamento normal do dia-a-dia. A
morte é sempre difícil de entender, mas fará de alguma forma parte da vida da
criança, seja directa ou indirectamente. Acima de tudo, sem ficcionar, sempre
com muita atenção em adaptar a explicação
à idade, mas dando-lhe uma resposta tão concreta quanto possível, que não dê
espaço para confabular, fantasiar e poder ganhar medos de ter certos
pensamentos ou certos comportamentos inventados pela própria criança.
Esclarecer que a morte não é nunca consequência do que a criança faz ou pensa;
- Responder às questões da criança,
sempre. Mesmo que a resposta possa ser um sincero “Não sei”. Na verdade,
dependendo das crenças de cada um, há certezas sobre a morte que nem os adultos
têm e isso pode ser partilhado com a criança, ajudando-a a gerir a incerteza, a
falta de algumas respostas, a possível sensação de injustiça, partilhando
também que se sente o mesmo e que é mesmo injusto;
- Transmitir a notícia e dizê-lo
devagarinho para que a criança possa ir expressando o modo como está a receber
a notícia e isso ajudar o adulto a ir adaptando a mensagem, de acordo com a
reacção da criança;
- Em qualquer situação e acima de
tudo, ir expressando o facto de ser normal ficar triste, de ser muito difícil,
para legitimar sentimentos e assim facilitar o luto.
- Existe
formas diferentes, consoante a idade? Quais? Até aos 3 anos? Dos 3 aos 7?
Dos 7 aos 10? Das 10 aos 15?
Como em qualquer assunto ou área, tambem abordar a morte deve
ser adequada nao só à idade como às características da crianca. Como tal e porque apesar da idade nos dar
algumas noções gerais, cada criança é diferente, mesmo podendo ter a mesma
idade. É importante acima de tudo conhecer bem a criança. E ter presente que
receber essa notícia é sempre muito, muito difícil.
Antes dos 2 anos é dificil a crianca entender o conceito de
morte, ou seja, perceber que é para sempre, mesmo que se explique. É possível
que a criança pergunte (no caso de já dominar a linguagem verbal) frequentemente
ou procure pelo progenitor falecido e que apresente algumas alterações no sono
e na alimentação e instabilidade, especialmente no caso de existência prévia de
uma vinculação segura. É importante ir dando-lhe a maior estabilidade possível,
acarinhando-a e dando-lhe a vinculação que necessita.
A partir dos 2 até aos
5/6, a criança ao ter maior noção de separação e perda do outro, ficará
instável emocionalmente, pode frequentemente apresentar comportamentos
regressivos ou instáveis e terá dificuldade em perceber o que aconteceu, no
entanto, deve-se referir o que aconteceu e falar sobre isso, especialmente
sendo um pai/mãe.
A partir dos 5/6 anos, a noção de morte torna-se muito mais
clara e real, inclusivamente por volta dos 5, 6 anos pode surgir o medo de
morrer ou de que alguém próximo morra. Usar vocabulário como “morte/morreu”,
“ficou muito doente e morreu”, “terminou o ciclo da vida” pode ajudar. Explicar
as causas pode ajudar a partir dos 6/7 anos, mas é muito importante ter cuidado
com a maturidade emocional da criança e evitar explicações demasiado
pormenorizadas, que possam impressionar em demasia. A criança pode não estar preparada para saber
logo tudo de uma vez.
No entanto, quando a criança pergunta o que se passou, porquê e
porque morreu, é importante responder, ainda que se possa simplificar a
explicação (por exemplo, se foi uma doença é importante adaptar a explicação
científica à idade, para que perceba). Especialmente, quando falamos de idades
mais avançadas, como os 10 anos ou claro, na adolescência. Na adolescência, é
importante uma partilha clara, sem esconder e sem fantasiar, sempre focado na
ajuda do jovem a expressar emoções e ajudando-o a não se culpabilizar.
Uma dica que pode ajudar é estar atento às perguntas da criança,
se pergunta, em princípio está preparada para receber a resposta, ainda que com
cuidado e gradualmente, indo analisando a reacção enquanto se fala e legitimar
sempre as emoções e a dificuldade em compreender a morte, podendo partilhar
esse sentimento com a criança/adolescente.
-
Devem ir ao funeral?
Não há uma regra, mais uma vez. No entanto, crianças muito
pequenas que não entendem o conceito de morte, não fará sentido participarem do
ritual, uma vez que o mesmo não contribuirá para o seu luto.
A partir de certas idades ou fases, em que já se compreende o
conceito de morte/perda e especialmente em que já se falou sobre a noção de
funeral, se a crianca mostrar vontade pode ser importante nao lhe vedar essa
vontade, no entanto, avaliando se a criança terá mais benefiícios em termos de
luto indo, ou ficando.
No caso dos adolescentes, é sempre importante avaliar cada caso
e características do adolescente, no entanto, na maioria dos casos e
tratando-se de alguém tão próximo como é um pai/mãe (se assim for), pode ser
importante.
Em alguns casos, permitir que escolha, explicando primeiro do
que se trata, que só terá de ir se quiser e por si mesmo, e a partir daí deixá-la
escolher, dando-lhe a conhecer a hipótese de onde ficará (deverá ser alguém da
confiança da criança), se não for e aceitando genuinamente qualquer das hipóteses,
evitando acima de tudo que sinta que por ser filha tem que ir ou que a mãe/pai
falecido iria ficar triste ou aborrecido. A ida ao velório e funeral deverá ser
sempre monitorizada para que a criança consiga entender certas reacções mais
efusivas a que possa assistir e dando-lhe sempre espaço para que se possam ir
embora.
- Os
pais devem chorar à frente da criança?
Sim, devem, como ao longo da vida devem mostrar as emoções,
sejam elas positivas ou negativas. É um trabalho desde que a criança nasce,
porque se assim for, nestas situações, a expressão será mais fácil, apesar de
nunca ser fácil e ajudará a criança a vivenciar o seu luto. Ajudar a crianca a
perceber como é normal sentir o que se sente e a expressar adequadamente o que
sente, sem mascarar a tristeza com zanga, que é tão frequente por exemplo no
caso dos jovens. No caso de um adulto que está muito desorganizado
emocionalmene com a morte, é importante evitar choros demasiado desesperados ou
sem parar que podem destabilizar completamente a criança e fazê-la sentir-se
responsável por ser ela a fazer o papel de adulto. Chorar com a criança pode
ajudar a fomentar a noção de união e de que podem sofrer juntos e
apoiarem-se.
- O
que responder ao “porquê morreram”?
Mais uma vez, depende das características e idade da criança. Em
idades muito precoces mas que já entendem a noção de morte, daí perguntarem,
atenção a explicações demasiado pormenorizadas que a criança pode não ter
maturidade emocional para recebê-las.
Nem sempre se consegue responder, mais uma vez recorrer a
explicações sinceras, ainda que ajustadas à criança é o mais adequado,
expressando também a dificuldade em entender a injustiça da morte.
- Deve-se
criar uma história de continuidade? Do céu? Ou das estrelas?
Conheço situações em que pais fizeram isso e resultou e outras
não. Acima de tudo, se a opção é criar histórias de continuidade é preciso ter
cuidado com a forma como as crianças as entendem e generalizam em certas
idades, para não desenvolverem medos ou preocupações excessivas.
A continuidade é no fundo transmitir que poderá sempre
lembrar-se da mãe/pai e das coisas boas que faziam juntos, é permitir que haja
recordações em casa do elemento que faleceu, é não ignorar que isso aconteceu,
é recordar. Talvez colocar uma fotografia ou ter um album disponível possa ser
mais adequado para ajudar a criança.
- O luto das crianças é mais difícil? Qual é a
faixa etária que reage pior? Porquê?
Não há uma faixa etária que reaja pior. Na verdade, a morte de
um pai/mãe próximo e presente é um acontecimento de vida brutal e avassalador,
em toda a infância e adolescência. Há certas crianças que poderão reagir pior
porque estão numa fase mais activa no desenvolvimento em termos de ansiedade de
separação, porque já estão por outros motivos anteriores à morte, instáveis
emocionalmente, porque não existe um bom suporte familiar/social, porque a
vivência do luto não foi feita de forma adequada.
Tal como em qualquer acontecimento de crise de vida, quanto mais
equilíbrio familiar e social já existir e maiores competências socioemocionais
existirem antes da morte, melhor a capacidade de vivência de luto.
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