Como prometido partilho as perguntas e respostas completas que serviram de base às opiniões do artigo da Revista Sábado "Se estiveres longe de mim, faz isto".
Porque aprender a ser "desenvencilhado" é importante!
1. Acredita que é necessário
os pais conversarem com os filhos sobre situações limite e o que devem fazer?
Seja perderem-se no supermercado, serem abordados por estranhos ou verem o
pai/mãe sentir-se mal e sabe o que fazer…
Acredito que é
importante à medida que as crianças vão crescendo e estando em diversos
contextos, ir dando-lhes a conhecer as realidades em que estão, suas
características, ajudando a antecipar situações e o que elas envolvem, ajustando
ao nível de desenvolvimento da criança e sempre com alguma tranquilidade. O
objectivo é ajudá-las a agir e não a bloqueá-las.
2. É saudável para as crianças
pensar no que pode acontecer ou por outro lado pode causar ansiedade?
Depende da forma
como for feito, conversado e apresentado. Se uma criança está numa fase
normativa de medo excessivo de se perder dos pais pode ser extremamente
ansiogénico acrescentar novos dados e informações sobre a possibilidade de se
perder. No entanto, nunca falar nem prevenir, nem a informar nem capacitar pode
comprometer de certa forma a sua autonomia, a sua capacidade de sentir que tem
controlo, a capacidade de resolução de problemas e é capaz em situações mais
difíceis. Por vezes, aproveitar as situações do dia-a-dia e de forma tranquila
e sem catastrofizar é uma excelente forma de ir conversando sobre perigos.
3. A partir de que idade acha
que é razoável ter este tipo de conversas? Ou pode ter-se desde muito cedo
desde que se adapte o discurso?
A idade é
importante mas mais do que isso, é conhecer as características da criança, o
seu nível de desenvolvimento emocional, cognitivo, social e pessoal. Adaptar
sempre o discurso, para que a criança compreenda e o objectivo seja cumprido:
muni-la de estratégias de resolução de problemas e dar-lhe controlo e
autonomia. Fazê-lo gradualmente, para que o excesso de autonomia não se
transforme em ansiedade excessiva ou preocupações constantes que não são para
as crianças.
4. E deve ser um discurso
sério ou, em certas ocasiões, mais como se fosse um jogo para eles captarem
melhor?
Tudo depende da
criança, da sua idade, nível de desenvolvimento e características individuais.
Ser criativo na educação pode trazer muitos ensinamentos às crianças e ao mesmo
tempo, conversar com elas com alguma seriedade (seriedade não significa rigidez
ou autoridade) desde pequenos quando é necessário também é importante.
Aproveitar situações do dia-a-dia, algum filme ou uma história de um livro ou
uma notícia pode ajudar. Com os adolescentes, resulta entrar no quadro de
referência deles e adaptar o que se pretende transmitir ao que gostam e lhes
chama a atenção.
5. Agora que estamos ainda em
época de férias, a que devemos ter maior atenção na praia ou em passeios no
campo? Que estratégias podemos adoptar?
É um excelente
momento para estarmos com mais disponibilidade e calma com os filhos e
conhecê-los melhor. São oportunidades para os ajudar a desenvolver autonomia,
arriscar e ajudar a ponderar riscos e resolução de problemas. Ajudá-los a serem
eles a “levar-nos” no caminho do passeio, para aprenderem eles o caminho, a
dizerem como está o mar, que bandeira está, perguntar-lhes a cor do chapéu de
sol e a perceber em que sítio está, a proporcionar novas experiências em que a
ajude a arriscar com consciência.
6. Em alguns artigos
estrangeiros encontrei o que se deve ou não fazer. “Não fales com estranhos”
era algo que diziam para não fazer – e, por outro lado, especificar, “não vás a
lado nenhum sem pedir autorização ao pai e à mãe”. Na sua opinião, quais são as
regras a decorar, do que se deve e não deve fazer?
Acima de tudo,
ajudar com o maior equilíbrio possível, a educar crianças e adolescentes
conscientes, capazes, autónomos, que arriscam mas ponderam os riscos e que
reflectem, que questionam dentro do que conseguem antes de agirem, que confiam
nos pais e no que estes lhes dizem, especialmente na infância. Acima de tudo,
criar o hábito de conversar em casa sobre o que se faz, pensou ou se anda a
fazer, seja certo ou errado, bom ou mau.
7. Tem encontrado casos deste género na sua vida
profissional?
Tenho encontrado de tudo: miúdos
que até muito tarde não desenvolveram a autonomia, ficam aflitos perante a
imprevisibilidade, que não sabem lidar com nenhuma situação nova, que são
sobreprotegidos até muito tarde, mas também miúdos que desde demasiado cedo
resolvem tudo sozinhos, seja assuntos de “crianças”, seja de crescidos e isso
também os obriga a crescer excessivamente rápido.
Da minha experiência clínica, pais
que conversam em casa, que acompanham, que proporcionam novas experiências
adaptadas à criança/adolescente e ao seu nível de desenvolvimento, que os
ajudam a sair da zona de conforto, sem sair da zona de segurança, que os ajudam
a errar e a arriscar, que criam situações novas, que conhecem a realidade dos
filhos e conseguem lembrar-se como é ser mais novo, proporcionam melhores
ferramentas para os filhos serem mais capazes na prevenção de situações
perigosas ou imprevisíveis.
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