Hoje sonhei com os meus avós. Na casa onde passava os Verões com os
dois, no meio de couves, flores, terra e uma piscina de cimento que arranhava
os pés, para nos lembrar que foi feita com muito carinho e trabalho pelo meu
avô, no seu silêncio.
Sonhei que lá estava mas era crescida. Já não era criança. A minha avó
costurava e o meu avô andava por lá e eu estava a tirar ou a estacionar o
carro, não sei bem.
Mas era agora, crescida, mas eles como antigamente, quando eu era
criança.
Acordei e fiquei triste subitamente. “Tempos que não voltam”, pensei.
Mas sem tirar a cabeça da almofada, lembrei-me que era tempo de
assinalar o dia da criança na página do projecto e de lembrar a importância
deste dia. Um dia que, sim, deve ser assinalado, deve existir e deve ser
marcado. Para nos lembrar do que é ser criança, do que é direito de criança, de
que é preciso parar e olhar para os mais pequenos de altura e não esquecer que
são também pequenos a crescer, com muita vontade de brincar, com muita
necessidade de mimo e fantasia e com um tempo e rtimo próprios. Que desejam
sorrir e dão abraços tão bons e tão cheios.
Acordada lembrei-me de mim pequena. Lembrei-me da marquise que existia
na minha casa, que existia, aliás nos anos 80/90 em grande parte das casas dos
subúrbios. Uma caixa de alumínio, que geralmente não tinha grande utilidade.
A caixa de alumínio da minha
casa era local de brincadeira, entre almofadões grandes para relaxar, canetas,
bonecas e outras tantas coisas que não eram necessariamente brinquedos à primeira
vista, mas eram até mais do que muitos dos brinquedos da loja. Na marquise
brincava horas sem parar, geralmente até o sol se pôr, no verão mais, porque o
sol ía dormir mais tarde e porque estava mais quentinho. Convidava os meus pais
para virem beber chá ou ao restaurante que lá montava com os bancos da cozinha
e os panos turcos da loiça. Lá ficava a trocar de roupa, a escrever com giz no
chão ou a inventar histórias impossíveis, deitada nos almofadões, que na altura
pareciam muito maiores do que realmente seriam, provavelmente.
Quando vinham amigos, também se brincava na marquise, mas não era a
mesma coisa. Aquela divisão era uma espécie de casinha só minha, onde tantas
vezes passava a tarde do fim-de-semana ou brincava depois de vir da escola.
E hoje, lembrei-me deste sítio fantástico, mágico, que me acalmava,
divertia, me aconchegava, que me ajudou a criar, imaginar e a ser feliz. E
hoje, depois desta corrida pela memória da minha infância, parei num momento:
naquela mesma marquise, o sol lá batia no final do Verão, já fraquinho mas
aconchegante, a minha mãe a ir embora porque já não lhe apetecia brincar mais e
eu a pensar: “É impossível deixar de
gostar de brincar, eu nunca vou deixar de gostar de brincar, tenho a certeza.
Às cozinhas, aos puzzles, aos restaurantes, aos medicos, às secretárias ou às
lojas.”
Hoje, lembrei-me como se fosse ontem que lá estivesse na marquise,
lembrei-me exactamente como me sentia quando brincava, como era sentir-me
satisfeita, motivada, envolvida, descontraída e feliz por poder brincar. E como
ainda sei exactamente que sensação é essa e como ainda a tenho nos novos
interesses e descobertas que vou tendo e
pelos quais me vou apaixonando.
Abri os olhos, sorri, aceitei a saudade e fui desejar um feliz dia da
criança ao mundo.
Acima de tudo assinalar o dia, porque foi mesmo importante a
oportunidade de ter sido criança. Acima de tudo assinalar o dia, porque é
determinante para o crescimento ter a oportunidade de ser criança. Acima de
tudo assinalar o dia porque a vida passa.
Rita Castanheira
Alves
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