Este ano, o meu pai voltou a escrever e voltei a aprender com ele: Nunca é tarde para voltar a paixões antigas, para nos desafiarmos e para tirar do baú o que lá fomos deixando esquecido, adiado, em pausa, porque a vida assim o diz. Nunca é tarde. Nunca será tarde para recordarmos, para nos (re)descobrirmos.
Hoje partilho um dos seus regressos à escrita, às memórias, ao baú do meu pai. Um regresso de que me orgulho. O regresso ao Natal da sua infância.
Feliz Natal.
Nesse Natal, e um pouco
triste por já não ter medo, fui à chaminé e...
Ahhh...! Afinal o
menino-jesus não trouxe o “Monopoly”!
Trouxe lápis de cor
“Viarco”! Que bom! Trouxe um livro da “Branca de Neve”; é bom também! E
chocolates! E meias...
Tinha feito o presépio: lá
estava o menino-jesus: naquele ano, já numa cama de palhinha. Em frente, o
burrinho e a vaquinha e algumas ovelhas de olhos muito abertos com as cabeças
junto ao musgo que eu tocava todos os dias, porque era fofo e fresquinho: borrifava-o para se manter viçoso!
Também os 3 reis magos, que
eu fazia avançar todos os dias 1 cm, até que, no dia de Natal, davam um salto
maior para darem os presentes ao menino. Um dos reis magos era escuro, e eu
pensava que ele era mau! Mas como fazia parte...
Mas havia mais: lavadeira,
poço, pastor, um espelho que era água, uma ponte do tamanho dos patos, um
moinho e um moleiro muito maior que o moinho!
E pus o moinho no cimo dum
monte para fingir que estava lá longe, pequenino!
E lá por detrás do menino:
o pai e a mãe dele, que eu trocava de posição de vez em quando, para o distrair.
A vaca e o burro, nas noites
mais frias, lembro-me que os aproximava e punha-os quase em cima da cama de
palhinha, para o aquecer.
A estrela, e a barraca feita
duma caixa de sapatos da Monumental do Calçado, que à data, ainda não tinha o
sapato grande à porta (aquele sapato que uns anos mais tarde se encheria de castanhas
para um passatempo radiofónico, por altura do S. Martinho).
Também punha algodão, que
era neve. E junto ao presépio um pinheiro pequenino, com bolinhas e fitas. E nas
bolinhas eu via muitos presépios lá dentro... luzes não havia, eram caras.
E nesse ano, a seguir ao
Natal, juntei-me com um amigo na escada do prédio, lá em cima, à entrada do terraço,
e com os lápis de cor pintámos um quadrado de madeira: escrevemos as ruas e as
estações de comboio, fizemos a prisão e a casa da partida, a sorte, os telefones e o
gás. Conseguimos um dado. As caricas das gasosas foram peões.
Cortámos cartões e
papelinhos que foram dinheiro, e jogámos muitas vezes...Muitos dias!
Porque havia meninos como
nós, lá na rua, que já tinham um “Monopoly”, mesmo a sério, e que não nos
deixavam jogar com eles.
Só para chatear, o nosso
tinha muito mais dinheiro do que o deles, e jogávamos às vezes... Duas vezes
seguidas, para passar na casa de partida mais depressa e receber 2 contos muitas vezes!
Feliz Natal!
Luís Alves