quinta-feira, 19 de março de 2015

A todos os pais que ajudam a "saltar"!


Ao meu pai. 

Esta é a história de um salto para o mar. Um salto de um pontão alto. Uma história de um salto para a autonomia.
O rapaz chegou, num dia de sol, a Cascais. Ao pontão onde todos os Sábados, sempre que o Sol sorria, lá estavam os miúdos de ranho no nariz e pele queimada de horas de autogestão, sem protecção solar. O rapaz observava-os: barulhentos, diziam asneiras, daquelas que em casa lhe diziam que eram proibidas. Riam-se e gritavam enquanto se deixavam ir, num grande salto para o mar. Do pontão para o mar. Ele sabia que eles podiam, porque eram os miúdos da rua, que desde cedo andavam sozinhos nas ruas de Cascais e tiravam os calções, dando mergulhos de cuecas. O rapaz não tinha autorização para o fazer, achava ele. Era perigoso e o pai não ia permitir. Mas a curiosidade foi crescendo, à medida que o rapaz cresceu e ele queria muito dar um mergulho do pontão. Ser um daqueles miúdos, naquele momento, que saltavam para dentro de água e gritavam cheios de energia e diversão.
Primeiro com a mão dada ao pai, depois sem a mão, já se podia aproximar para ver. Um dia, na praia do pontão, o pai do rapaz disse-lhe: “ - Queres experimentar saltar?” O rapaz arregalou os olhos, o coração disparou e o sorriso formou-se: “- Do pontão?” O pai confirmou com a cabeça. O rapaz disse-lhe que sim, entusiasmado mas nervoso. O pai explicou-lhe:
“ - Temos observado como fazem os miúdos que vêm para aqui há muito tempo. Tu tens observado. Vais agora observar sozinho, de perto e com muita atenção e perceber como é que eles fazem, para onde mergulham, de que forma e com que cuidados. Depois de observares e perceberes, estás preparado para experimentar.”
O rapaz sentiu-se a tremer por dentro, um tremer de adrenalina que gostou de sentir. Sugeriu que o pai viesse com ele. O pai disse-lhe: “ - Eu não quero ir. Eu fico aqui a ver-te. És tu que queres saltar, podes ir saltar depois de perceberes bem como é que os outros miúdos fazem. Nadar já sabes, por isso podes ir sozinho.”
O rapaz respirou fundo, virou as costas ao pai e aproximou-se dos rapazes. Durante 10 minutos observou, examinou, estudou e aprendeu qual seria o melhor ângulo, que força dar ao salto, onde mergulhar, como voltar para cima. Esfregou os olhos, ajeitou o cabelo encaracolado, já seco do tempo de observação e saltou. Saltou do pontão, para o local onde saltavam os miúdos, na mesma posição que os miúdos.
O pai viu, com o coração lá dentro de si um bocadinho apertado, mas por fora com um sorriso tranquilo, um olhar observador e um acenar que dizia sem dizer: “ – Tu já és capaz. Eu sei que és e tu serás.”
O rapaz conseguiu e nessa noite sonhou com um troféu num concurso de mergulhos.
Este salto foi um salto de autonomia. Dos grandes, mas para o qual o rapaz estava preparado. E o pai também. O rapaz hoje é um adulto, pai como o seu, ou ainda não. Mas dá saltos, daqueles grandes e de grande responsabilidade, quando é preciso e lembra-se do acenar do pai que dizia sem dizer, naquele dia e noutros: “ – Tu já és capaz. Eu sei que és e tu serás.”

Rita Castanheira Alves

terça-feira, 3 de março de 2015

Por favor, abra uma excepção: com os seus filhos, quando se tornarem adolescentes.

Quem nos mantém à distância, não nos procura, não partilha o que se passa e nos fala torto, geralmente afasta-nos.
Isto é mesmo assim, na vida, com quem nos rodeia, com os amigos de sempre ou aqueles mais recentes.

Mas por favor, abra uma excepção: com os seus filhos, quando se tornarem adolescentes.

Daqueles calados, faladores mas refilões, que insistem em ficar no quarto, que sentem que não são compreendidos e que é melhor falarem toda a noite no whatsapp com os amigos ou publicarem no facebook como estão irritados ou frustrados. Dos filhos que respondem torto, que entram no carro e ficam calados, aos que respondem por monossílabos.

A vontade é calar-se, se calhar nem sequer tentar, para não se irritar com a maneira torta de falar ou o ar de seca com que responde. A vontade é deixá-lo estar e esperar que cresça ou que esteja melhor ou que finalmente vá ter consigo e fale. Mas enquanto crescem e não crescem, enquanto ficam excessivamente calados e incompreendidos, vale a pena abrir a excepção e não ficar igualmente calado, a dar todo o espaço. O perigo é esse espaço ficar excessivamente grande.

Envie um email com algo que possa interessar ao seu filho ou simplesmente com uma piada, deixe-lhe um presente simbólico em cima da secretária, passe a ser o pai que escreve SMS e de vez em quando deixe-lhe um beijo ou um abraço através das tecnologias. Vá dando abraços e mostrando entusiasmo quando o vê, alegria por estarem juntos e manifeste que faz questão que passem tempo juntos. Corte do jornal um artigo sobre um ídolo do seu filho e dê-lhe ao final da noite, antes de ir dormir. Diga-lhe, escreva-lhe, desenhe que gosta dele. Não o faça para toda a gente ver, só para o seu filho.

A resposta pode não ser nenhuma, um dia mais torta, outro dia só um "hum". Dê-lhe espaço, sim, mas não deixe de lhe mostrar que está ali mesmo, sem invadir o espaço, mas no espaço.

Por favor, respire fundo, mas por favor abra uma excepção.

Rita Castanheira Alves