A Eva tem dois filhos, uma
rapariga com 10 anos e um menino de 5.
Senta-se e com a lágrima no canto do
olho, embaraçada e sem saber como abordar o assunto. Baixa a cara, esfrega as
mãos e fala baixinho: “- Tenho um pensamento
que não me larga sobre a forma como gosto dos meus filhos. Tenho vergonha mas
acho que gosto mais do meu filho do que da minha filha. É errado, não é?”
As lágrimas escorrem e contam a culpa que a Eva sente por ter crescido com a
expectativa que o amor pelos filhos é incondicional.
Mas não é Eva. “ - Com quantas mães falou sobre isso?” De olhos muito abertos, com vergonha, diz
prontamente: "- Nenhum, nenhuma. O
que havia de ser...” O que a Eva não sabe é que, como ela, há outras mães
que pensam o mesmo e vivem assombradas por esse pensamento que não se controla,
e que se todas pudessem saber que as
outras também sentem ou já sentiram, a angústia de não ser algo “normal”
aliviava e era mais fácil viver com os filhos sem este pensamento que faz medir
todas as acções.
“- Faço a um e lembro-me logo que tenho que fazer também à mais velha para
que ela não perceba que gosto menos dela. Se dei um beijo ao pequeno, vou logo
dar um beijo. Tenho medo que isto a prejudique. Será que foi porque depois da
gravidez não estive muito feliz?”
Será? Será? Será? A Eva sente
exausta e mal consigo mesma, acha que é a única que sente desta forma e a culpa
cresce e começa a comandá-la nos actos com os filhos, que antes eram tão
espontâneos.
É preciso parar. Quase que a
primeira vontade é abraçar estas mães que aparecem aterrorizadas com as
partidas que os pensamentos, as expectativas, a cultura e a educação nos prega,
a todos nós. Primeiro precisa de um sorriso e de normalizar. Afinal, os filhos
são pessoas, com características do pai, da mãe, mas também de outros
significativos e com características deles mesmos.
É tão importante sossegar a Eva e as
mães como a Eva, que se assustam com os próprios pensamentos, que querem tão
bem aos filhos e se preocupam que cresçam felizes e saudáveis que receiam não
lhes dar todo o amor que precisam. Isso é gostar, isso é amar.
A Eva relata e exemplifica, agora
mais solta, o que não gosta na filha: alguns comportamentos, reacções egoístas,
a falta de sentido de gratidão em algumas das suas atitudes. A Eva identifica
objectivamente o que não gosta, alguns comportamentos e atitudes.
Devagarinho substituímos o “Não
gosto da minha filha.” por "Não gosto de alguns comportamentos e atitudes
da milha filha” e parece tudo menos pesado. Permanece o medo de ser a única, de
ter sentimentos que não se devem ter, o peso de ser um amor que se deve ter
como incondicional. Mas olhar para os
filhos como pessoas faz-nos bem, a todas as mães Eva, a todos nós e aos filhos.
Podemos ensinar-lhes o que é correcto do que não é, o que é a gratidão, o ser
genuíno e o ser honesto, o que é escolher como ser, melhorar e mudar.
Afinal tal como as mães, os filhos
também são pessoas. Que, como as outras pessoas que gostamos, têm
comportamentos que gostamos mais e outros que gostamos menos. A vantagem é que
o amor que temos por ele nos faz gastar todo o tempo do mundo a orientá-los, a
ajudá-los a escolher como são e como querem ser.
Rita Castanheira Alves
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